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Ela, mulher vítima de violência doméstica e familiar, procura o Juizado da Comarca de Tubarão para solicitar não novas medidas de proteção, mas que ele, homem participante de um grupo reflexivo, continue a frequentar as reuniões do projeto. Acontecimentos como esse, descritos pela Promotora de Justiça Substituta Iara Klock Campos, responsável pela 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Tubarão e idealizadora do Grupo Reflexivo de Gênero, são pouco corriqueiros e revelam a capacidade de transformação proporcionada pela iniciativa do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).

O projeto é fomentado pelo Núcleo de Incentivo à Autocomposição (NUPIA) do MPSC, cuja estrutura foi fortalecida no início de setembro por meio da reformulação instituída pelo Ato n. 635/2019/PGJ. Os objetivos do NUPIA, dentre os quais estão a disseminação da cultura de pacificação e a redução da litigiosidade, são extremamente pertinentes frente ao cenário de violência contra a mulher.

Somente em 2018, de acordo com dados do Portal do Promotor do MPSC, constavam 206 casos de violência doméstica e familiar contra mulheres na Comarca de Tubarão, que abrange os municípios de Tubarão e Pedras Grandes. A Promotora de Justiça Substituta Iara Klock Campos viu, então, a necessidade de medidas que não se restringissem à punição, mas que possibilitassem uma mudança efetiva.

"Com as vítimas, não somente com as mulheres, mas também com os filhos, percebemos que uma sentença, muitas vezes, não traz uma mudança profunda no comportamento daquele homem ou daquela família. As práticas dos grupos possibilitam a reflexão sobre os relacionamentos, as emoções, os sentimentos, promovendo uma transformação interior que agrega resultados à dinâmica daquela família", destaca a Promotora de Justiça.

Assista abaixo ao depoimento de uma vítima de violência doméstica e familiar que foi atendida pelo Grupo Reflexivo de Gênero do MPSC em Tubarão.

Práticas que transformam

O projeto, iniciado em 2018 com um grupo composto apenas por homens, buscou incentivar a conscientização dos envolvidos em situação de violência doméstica e familiar. Neste ano, atendendo às sugestões dos próprios integrantes do programa, o escopo de atuação foi expandido, promovendo-se o primeiro grupo composto por mulheres. "Eles sentiram a necessidade de as ex-companheiras também participarem, já que ter uma mesma linguagem na comunicação auxiliaria no relacionamento entre eles. Buscamos novos facilitadores e foi muito produtivo. Elas adoraram e queriam que o grupo continuasse", relembra a Promotora de Justiça responsável pelo projeto.

Mesmo que alguns se mostrassem hesitantes no primeiro dos oito encontros, ocorrido em maio de 2019, depois de transcorridos dois meses do programa, sentimentos como angústia e medo deram espaço a algo novo. Nos grupos, os participantes puderam se expressar e refletir sobre questões como gênero, direitos das mulheres, violência, comunicação e relações domésticas e familiares por meio de troca de experiências, dinâmicas e conversas.

Os efeitos dessas práticas podem ser percebidos em cada palavra expressa pelos homens participantes do programa. As frases "eu precisava voltar a ser aquele homem com princípios definidos de educação, trabalho e respeito" e "a equipe fez eu me encontrar novamente" demonstram a amplitude da mudança de perspectiva dos participantes.

Também nas falas das mulheres foram enunciados os resultados de uma transformação genuína. "Toda vez que vim nesses encontros, aprendi muita coisa que me fez crescer como pessoa e evoluir como mulher e mãe", relatou uma das participantes.

Restauração pela metodologia

Os encontros eram guiados por roteiros prévios elaborados pelos facilitadores - a oficial da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça Vera Rejane Pinheiro, atuante na Comarca de Jaguaruna, os assistentes de Promotoria de Justiça do MPSC Iolanda Constantino Nunes e Lucas Carvalho Mattiola, a Presidente e a Conselheira do Conselho Municipal Aleida Cardoso Correa e Tatiana Anzolin Michels, respectivamente, e os acadêmicos do Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) Marisel Estevão Costa e Federico Romero.

Fundamentadas no método das práticas circulares da professora norte-americana Kay Pranis, as atividades desenvolvidas pelo Grupo Reflexivo de Gênero embasam-se na metodologia da Justiça Restaurativa e da comunicação não violenta. A Justiça Restaurativa surge como uma forma alternativa de solução de conflitos, em complementariedade ao sistema de justiça tradicional, e compreende atividades em que os envolvidos participam voluntariamente de encontros, com a ajuda de um facilitador, para reparar ou reduzir os danos, reintegrar o infrator e retomar a harmonização social.

Resolutividade extrajudicial

O processo restaurativo é um dos instrumentos de resolução extrajudicial dos conflitos que o NUPIA objetiva promover. Instaurado em 2017 na Instituição, o núcleo é coordenado pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Alexandre Estefani. Por meio do ato de reestruturação do NUPIA, o núcleo agora conta com um Coordenador Operacional, o Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ), Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega.

Na função de Coordenador Operacional, entre outras atribuições, o Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega será responsável por analisar previamente os pedidos de auxílio direto ao NUPIA, elaborar proposta do plano de ação e coordenar o também inaugural Serviço de Apoio ao NUPIA, instituído para operacionalizar as políticas de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos autocompositivos no âmbito do MPSC.

O auxílio ao Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MPSC na capacitação e no treinamento permanente de membros e servidores para que possam atuar, a exemplo do programa Grupo Reflexivo de Gênero, como facilitadores e mediadores é uma das atribuições do núcleo. Conforme afirma o Coordenador-Geral do Núcleo, a reformulação significa, além do fortalecimento, a expansão dessas atribuições.

"Agora, o NUPIA poderá desenhar essas práticas de autocomposição para fomentar uma política institucional e poder entregar os projetos aos Promotores que desejarem implementá-los em suas comarcas. Assim, poderemos fomentar e distribuir essas boas práticas por todo o estado", avalia o Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais, em alusão às atividades promovidas pelo Grupo Reflexivo de Gênero.

Confira aqui o Ato n. 635/2019/PGJ na íntegra. 

Início de um novo ciclo

A intenção, agora, é dar continuidade ao programa e ao movimento de expansão. Ainda neste ano, serão organizados outros grupos de reflexão. Futuramente, pretende-se ampliar o público-alvo do projeto por meio de uma parceria com o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). "Queremos iniciar a parceria e realizar a dinâmica dos grupos com profissionais da instituição e com os nossos facilitadores, tendo em vista a importância de atender ao público de dependentes químicos", expõe a Promotora de Justiça Iara Klock Campos.

Continuar o programa significa propiciar o imensurável. É possibilitar que mais mulheres se sintam como a participante que relatou ter evoluído como mãe e mulher, ou como a que expressou ter aprendido coisas que a ajudaram em seu "crescimento, em ser eu mesma". É oportunizar o que um dos integrantes classificou como "um auxílio para o início de um processo novo", algo que "muitos nunca viveram". É dar chance à transformação.

*As frases dos participantes foram transcritas de maneira literal a partir do questionário aplicado no último encontro dos grupos.

contato

Para mais informações sobre o Grupo Reflexivo de Gênero, contate a 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Tubarão pelos números (48) 99135-0816 e (48) 3631-3902 ou pelo e-mail tubarao02PJ@mpsc.mp.br.

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Confira a matéria sobre a primeira edição do programa e saiba mais sobre o projeto.