O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) enviou uma recomendação ao Prefeito de Florianópolis para que se reverta o adiamento do retorno às aulas presenciais e se mantenha o calendário escolar anterior, que previa o início das atividades presenciais para o dia 10 de março.

A recomendação foi encaminhada pela 15ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, após o Município de Florianópolis anunciar o adiamento do início das aulas para o dia 24 de março, como medida de contenção da pandemia de covid-19. No entanto, conforme destaca o Promotor de Justiça Júlio César Mafra, a suspensão das aulas presenciais não é possível sem, antes, restringir as atividades não essenciais.

A Lei n. 18.032/2020, do Estado de Santa Catarina, considera essenciais as atividades educacionais presenciais nas unidades das redes pública e privada de ensino. Segundo a lei, admitir a suspensão das aulas presenciais não depende da conveniência do Poder Executivo, mas de decisão administrativa fundamentada da autoridade competente indicando a extensão, os motivos e critérios técnicos e científicos que embasem as medidas que suspendem as aulas presenciais.

Para o Ministério Público, é preciso considerar também os prejuízos para a aprendizagem, nutrição, socialização, saúde mental e, de maneira geral, para o desenvolvimento pleno da criança e do adolescente ocasionados pela manutenção das atividades pedagógicas pela via unicamente remota, além da relevância da escola como espaço de proteção para crianças e adolescentes que são vítimas de abusos e de todas as formas de violência, cuja maior parte ocorre justamente dentro de casa.

Assim, com a suspensão das aulas presenciais há uma inversão de prioridades nas práticas sociais, das instituições e dos entes públicos, porque, enquanto outras atividades - não essenciais inclusive - estão liberadas por completo ou restritas apenas parcialmente, em tese com embasamento científico, há evidente descaso social com a educação, talvez a única cumpridora efetiva dos protocolos de segurança sanitária.

"Num cenário de grave crise sanitária, o Município pode legitimamente suspender as atividades presenciais, porém a legalidade dessa medida deve ser avaliada no contexto mais amplo de combate à pandemia e vir, no mínimo, acompanhada de medidas restritivas idênticas ou mais rigorosas para todas as atividades não essenciais e não prioritárias", completa o Promotor de Justiça.

Ressalta na recomendação, ainda, que um levantamento internacional de retomada das aulas presenciais elaborado pela consultoria Vozes da Educação e atualizado em fevereiro deste ano concluiu, após examinar detalhadamente a experiência de reabertura das escolas em 21 países, que, na maioria, o retorno às aulas não impactou a tendência da curva do país.

"As crianças ao frequentarem as escolas podem estar muito mais protegidas do que no ambiente doméstico, sobretudo quando não há medidas restritivas de atividades econômicas, de modo que os pais ou responsáveis ficam impossibilitados de cuidar pessoalmente de seus filhos, os quais acabam permanecendo sob a supervisão de terceiros, muitas vezes em condições precárias e causando aglomeração em ambientes fechados (como em creches clandestinas)", alerta no documento.

Nesse contexto de rediscussão de prioridades e replanejamento da liberação de atividades, é fundamental recordar que o princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente tem previsão tanto no texto constitucional quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, em que se impõe a primazia no atendimento e na formulação de políticas públicas destinadas à infância e à adolescência.

Diante disso, o Promotor de Justiça recomendou ao Prefeito que o retorno às atividades educacionais presenciais ocorra, como inicialmente previsto, no dia 10 de março, e que, quando houver necessidade epidemiológica, que suspenda primeiramente ou conjuntamente todas as atividades não essenciais.

Recomenda, também, que, caso haja fundada necessidade de manter parcialmente limitadas as atividades consideradas não essenciais, que as atividades educacionais presenciais não sejam prejudicadas, adotando-se medidas que possam reduzir o risco potencial em outros setores ou atividades, ou, no mínimo, que sejam aplicadas à educação as mesmas restrições definidas para atividades não essenciais (como a limitação de percentual de ocupação).

No documento, o Promotor de Justiça requer, ainda, que a Promotoria de Justiça seja informada dos critérios técnicos e científicos, da extensão e dos motivos que embasam as medidas adotadas para restringir, por completo, as atividades essenciais da educação.

O prazo para resposta sobre o acatamento ou não da recomendação, enviada nesta sexta-feira (5/3), é de 48 horas. Uma recomendação do Ministério Público representa uma cientificação expressa e formal da necessidade de providências para resolver uma situação irregular ou prevenir uma irregularidade. O não atendimento pode resultar em medidas judiciais e extrajudiciais futuras.