Nos últimos seis anos o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) propôs ao Judiciário 3.743 ações criminais por maus-tratos praticados contra crianças e adolescentes. Em média, foram propostas 623 ações criminais a cada ano, de 2000 até 2005, segundo levantamento da Corregedoria-Geral do MPSC. Este dado é significativo entre as ocorrências de maus-tratos relatadas aos Promotores de Justiça, pois reflete o total de casos com investigação concluída e nos quais já se comprovou a existência do crime e sua autoria. Ou seja, as ações são resultado final da atuação do Ministério Público nos casos, pois foram propostas para buscar a punição dos responsáveis pelos crimes.

As ações criminais propostas relacionam todos os tipos de crimes que são considerados maus-tratos de acordo com os preceitos do Programa de Aviso Por Maus-Tratos (APOMT), que terá uma campanha de divulgação na mídia a partir de 28 de março. Isso porque a legislação brasileira se restringe a um conceito limitado de maus-tratos, conforme o crime é tipificado no Código Penal. Mas o Ministério Público e seus parceiros no programa atuam seguindo a doutrina e a literatura sobre o assunto, que definem maus-tratos como todo e qualquer risco à integridade física, psíquica, moral e à saúde de crianças e adolescentes. E, segundo dados nacionais, 80% das agressões físicas praticadas contra crianças e adolescentes acontecem dentro de casa, pois partem de parentes e conhecidos.

Desde que um banco de dados on-line do APOMT começou a ser alimentado, em meados de 2005, já chegaram ao conhecimento do Ministério Público 705 questionários do programa relatando casos suspeitos ou concretos de maus-tratos. "Mas esse dado certamente não reflete a realidade, pois muitos questionários preenchidos ainda não chegaram ao conhecimento dos Promotores de Justiça", ressalva a Promotora de Justiça Helen Corrêa Sanches.

Além desses dados, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), por meio do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ), realizou pesquisas que mostraram que, na prática, a notificação dos casos de violência ainda é tímida e não contempla todos os casos. Como conseqüência, não se tem um diagnóstico preciso das ocorrências e não é possível definir as medidas mais adequadas para prevenir e tratar o problema, o que deve ocorrer a partir do estudo da incidência e causas da violência.

A campanha maciça de mídia sobre o APOMT foi doada pelas principais empresas de comunicação que atuam nos segmentos de rádio, televisão e jornal em Santa Catarina. A veiculação tem início no dia 28 de março e permanecerá na mídia pelo prazo de 60 dias. Foram criadas peças específicas para as diferentes mídias com o objetivo de chamar a atenção da sociedade civil, alertando-a para a necessidade de denunciar todo o indício ou caso concreto de violência praticada contra crianças e adolescentes. Profissionais de áreas específicas foram treinados para comunicar casos de maus-tratos, mas a campanha pretende mostrar que todo cidadão pode e deve noticiar qualquer tipo de violência ao Conselho Tutelar do seu Município ou ao Ministério Público.

Como funciona e objetivos do APOMT

O Programa de Aviso Por Maus-Tratos (APOMT) foi criado pelo Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ) do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) para implantar em todo o Estado um sistema unificado de aviso compulsório sobre violência infanto-juvenil, por meio do preenchimento de um formulário padronizado de notificação pelos profissionais das áreas de Ensino (público e privado), Saúde, Assistência Social, Segurança Pública e dos Conselhos Tutelares.

Lançado em outubro de 2004 em parceria com mais de uma dezena de órgãos públicos e entidades civis, o objetivo principal do APOMT é que as crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos sejam atendidas e encaminhadas aos programas de proteção que se fizerem necessários, conforme preconiza a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Para que sejam criados programas de atendimento mais adequados à realidade de cada Município, o APOMT também vai quantificar e diagnosticar os casos de agressões, através de um banco de dados inédito, que possui alimentação on-line.

Outro diferencial do programa é que o Ministério Público e seus parceiros treinaram 2.923 profissionais de todo o Estado que lidam com crianças e adolescentes no dia-a-dia, e que são os principais observadores de possíveis situações de maus-tratos, como médicos, enfermeiros, psicólogos, educadores, policiais civis e militares e assistentes sociais. Os cursos de capacitação ocorreram de dezembro de 2004 a julho de 2005, durante os 16 lançamentos regionais do programa.

Assim foi criada uma rede para a identificação e comunicação imediata dos casos de maus-tratos, cujos dados servirão para fomentar políticas públicas de prevenção da violência e de melhorias no atendimento das vítimas. Os profissionais treinados vão preencher o questionário para todo caso de maus-tratos comprovado ou mesmo suspeito, e deverão entregá-lo ao Conselho Tutelar (CT) do Município - são 296 em todo o Estado. O Conselho é o órgão definido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como responsável pelo primeiro atendimento à criança e ao adolescente em caso de violação dos seus direitos, e também tem a atribuição de comunicar o Ministério Público quando esta violação se constituir em crime, como um caso de maus-tratos.

Após receber a notificação, o CT adota medidas para garantir o atendimento e o encaminhamento da vítima aos programas de proteção, se necessário. Em seguida, envia as informações completas aos Promotores de Justiça da Infância e Juventude e da área Criminal de cada Comarca, que mensalmente alimenta um banco de dados on-line com o registro de todos os casos confirmados ou sob investigação que é gerenciado pelo CIJ. Os Promotores do MPSC adotam as medidas necessárias para proteção da vítima e para a responsabilização criminal dos agressores.

Recentemente, o Programa APOMT foi escolhido pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), por indicação do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, para integrar pesquisa nacional destinada ao Ministério da Saúde sobre as 10 experiências de maior êxito na prevenção da violência contra crianças e adolescentes. Do estudo, conduzido pelo pesquisador Romeu Gomes e pela médica pediátrica sanitarista Rachel Niskier, deverão ser formuladas, pelo Ministério da Saúde, políticas públicas de abrangência nacional com recursos provenientes da União.

Ações criminais propostas pelo MPSC por maus-tratos contra crianças e adolescentes:

Ano
N° ações criminais propostas
2000
500
2001
666
2002
616
2003
563
2004
609
2005
789

 Total no período: 3.743
Fonte: Corregedoria-Geral do MPSC 

Como denunciar casos de maus-tratos:

  • Nos Conselhos Tutelares de cada município, preferencialmente, pela estrutura que possuem de atendimento à vítima
  • Junto a autoridades policiais e pelo fone 190 da Polícia Militar
  • Aos Promotores de Justiça com atribuição na área Criminal e na defesa da Infância e Juventude
  • De forma anônima, pelo disque-denúncia nacional 100, monitorado pelo MPSC


Parceiros do APOMT:

  • Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia 
  • Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social, Trabalho e Renda
  • Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão
  • Secretaria de Estado da Saúde
  • Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente - CEDCA
  • Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares  - ACCT
  • Federação Catarinense de Municípios - Fecam
  • União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado de Santa Catarina - Undime
  • Sindicato das Escolas Particulares de Santa Catarina - Sinepe/SC
  • Sociedade Catarinense de Pediatria
  • Fórum Catarinense Pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual Infanto-Juvenil
  • Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho

O que diz a legislação:

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

  • Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (art. 5º).
  • Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais (art. 13).
  • É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (art. 18).

Constituição Federal

  • É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227).

Constituição Estadual

  • Cabe ao Estado promover: criação de serviços de prevenção, orientação, recebimento e encaminhamento de denúncias referentes à violência no seio das relações familiares, bem como locais adequados ao acolhimento provisório das vitimas de violência familiar (art. 186, parágrafo único, inciso III)

Código Penal

  • Maus-tratos: expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina. Pena: detenção, de dois meses a um ano, ou multa. Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos (art. 136).

Dados gerais sobre maus-tratos:

  • Dados colhidos pelo Fórum Catarinense Pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual Infanto-Juvenil indicam que 100 crianças morrem por dia no Brasil vítimas de maus-tratos.
  • Um milhão de crianças e adolescentes são exploradas sexualmente ao redor do mundo.
  • Anualmente, 100 mil crianças são vítimas de exploração sexual no Brasil.
  • As idades mais comuns para práticas sexuais com crianças e adolescentes são de 12 aos 18 anos.
  • Segundo os Conselhos Tutelares de Santa Catarina, no Estado a ocorrência é mais freqüente no ambiente familiar.
  • Numa pesquisa inicial com os Conselhos Tutelares em 2001, o MPSC registrou a ocorrência de maus-tratos como a principal entre os atendimentos prestados, somando 2.756 registros, o que levou à elaboração do Programa APOMT.
  • As estatísticas indicam que os Conselhos Tutelares têm conhecimento de apenas 10% dos casos.

    Fonte: Fórum Catarinense Pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual Infanto-Juvenil