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O maior Encontro Estadual do Tribunal do Júri já realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) reuniu em Lages cerca de 100 Promotoras e Promotores de Justiça de todo o estado que atuam nos julgamentos de crimes dolosos contra a vida. O evento de capacitação aconteceu entre os dias 26 e 27 de junho, na sede das Promotorias de Justiça da comarca, e teve como tema "Feminicídio e atuação com perspectiva de gênero". 

O encontro foi organizado pelo Grupo de Atuação Especial do Tribunal do Júri (GEJURI), pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) e pelo Centro de Apoio Operacional Criminal e da Segurança Pública (CCR). Os membros do MP catarinense assistiram a palestras sobre técnicas de atuação no Tribunal do Júri, como rebater argumentos da defesa e usar ferramentas tecnológicas e arquétipos no plenário, e discutiram estratégias que impactam os jurados e influenciam na dosimetria da pena - sempre levando em conta o fio condutor da perspectiva de gênero. 

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A Procuradora-Geral de Justiça, Vanessa Wendhausen Cavallazzi, acompanhou toda a programação. No discurso de abertura, ela ressaltou não só os dados de violência contra a mulher, mas também a importância de ver essas vítimas para além dos números. "Só em 2024, 51 mulheres catarinenses foram mortas em um contexto de violência doméstica, e isso é muito grave. Elas tinham nome, rosto e muitos sonhos, mas tiveram as vidas interrompidas por motivações banais, como ciúmes. O Ministério Público de Santa Catarina precisa buscar a condenação dos autores e a reversão do quadro de violência, com articulação, capacitação e compartilhamento de boas práticas", salientou. 

O Procurador de Justiça e Coordenador do GEJURI, Andrey Cunha Amorim, cumprimentou os participantes por "não estarem satisfeitos com o limite territorial de suas comarcas e se colocarem à disposição para ajudar outros colegas". Ele também falou sobre a missão de atuar no Tribunal do Júri. "Quando eu era estudante de Direito e vi o primeiro Júri, eu disse para mim mesmo: `É isso que eu quero para a minha vida´. E foi assim todos os anos na minha carreira, durante 25 anos, fazendo um Júri por semana, e com prazer. E talvez por isso, de todos os cargos que ocupei no Ministério Público, o de Coordenador do GEJURI seja o que me dá mais prazer", relatou. 

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O Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e ex-Procurador-Geral de Justiça do MPSC, Fernando da Silva Comin também prestigiou a abertura do evento na Serra Catarinense. Ele destacou a presença e articulação ativa da PGJ em Brasília. "No Conselho Nacional de Justiça, no Supremo Tribunal Federal, no Conselho Nacional do Ministério Público em pautas importantes do Tribunal do Júri. Acredito que a senhora vai fazer referência à sua atuação lá, mas eu tenho sido testemunha disso e temos trabalhado de maneira conjunta. Em breve teremos um grande êxito, um grande resultado", afirmou Comin. 

Compuseram ainda o dispositivo de honra da solenidade a Secretária-Geral do MPSC, Promotora de Justiça Caroline Sartori Velloso Martinelli, e o Presidente da Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP), Promotor de Justiça Alexandre Estefani. 

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Palestras

"A vítima não precisa provar nada" 

A Procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro Simone Sibilio do Nascimento proferiu a palestra "Desvendando estratégias em plenário e rebatendo teses defensivas em casos de feminicídio". Nacionalmente reconhecida por sua atuação no caso da Vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, Simone compartilhou não só estratégias, como modelos e procedimentos para o combate da violência contra a mulher e para um trabalho mais assertivo contra o crime organizado. 

Ela alertou para as estratégias de desumanização das vítimas utilizadas pela defesa para conseguir a absolvição dos réus no Tribunal do Júri. Ela também demonstrou como a tentativa de descredibilização dos Promotores e Promotoras de Justiça que atuam no júri tem sido utilizada para a mesma finalidade. 

Traçando um percurso histórico pela vitimologia, Simone demonstrou ainda como o posicionamento da vítima no processo foi se modificando ao longo do tempo. Hoje, em sua avaliação, estaríamos passando por um momento de "redescoberta da vítima" dentro do sistema de Justiça. "A vítima não precisa provar nada. As marcas deixadas em seu corpo `falam¿ por si. Nosso papel é ser a voz dela Tribunal do Júri, fazendo com que se reencontre com seus direitos pela última vez", concluiu. 

O perfil dos feminicidas também foi abordado. De acordo com os dados apresentados por Simone, a maioria não tem antecedentes criminais, são trabalhadores e têm laços sociais estáveis. O fator disparador da violência estaria vinculado à perda da sensação de poder diante da mulher. "Estatisticamente os feminicidas não são perigosos socialmente, mas, diante de uma negativa, de uma impossibilidade de ele preponderar, eles não conseguem ouvir um não", argumentou a Procuradora de Justiça. 

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Tecnologia à serviço da Justiça 

O Coordenador do Centro de Apoio Operacional Técnico (CAT) do MPSC, Promotor de Justiça Otávio Augusto Bennech Aranha Alves, conduziu o painel "Tecnologia em cena: ferramentas digitais a serviço da persuasão no júri". Ele apresentou ferramentas que podem ser usadas nos julgamentos para fortalecer as teses acusatórias. 

A Promotora de Justiça Lanna Gabriela Bruning Simoni, da 1ª Promotoria da Comarca de Itapoá, compartilhou a importância do uso de algumas dessas ferramentas no caso Vanisse, julgado em março de 2023 na Comarca de Rio do Sul. Segundo ela, "a tecnologia foi fundamental para a coleta das provas que resultaram na condenação do marido e do cunhado da vítima, já que seu corpo nunca foi encontrado".  

Já o Promotor de Justiça Alexandre Carrinho Muniz, da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de São José, falou sobre a importância da tecnologia para provar que o motorista que atropelou e matou o Procurador de Justiça Aor Steffens Miranda e o Engenheiro João Carlos Schultz na Beira-Mar de São José estava embriagado. As provas levantadas pela inteligência resultaram na condenação por homicídio por dolo eventual (quando se assume o risco de provocar um crime).

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Assumir o risco 

E o dolo eventual foi justamente o tema da palestra do Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos do MPSC, Andreas Eisele.

Ele fez uma explanação sobre o que é, de fato, "assumir o risco", citando exemplos práticos de situações que podem ocorrer no dia a dia, como jogar um vaso de flores da janela de um prédio mesmo sabendo que ele pode atingir a cabeça de um transeunte.   

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"Chamamos o povo para fazer Justiça" 

A Promotora de Justiça do Ministério Público de Alagoas, Lídia Malta Prata Lima, proferiu a palestra "Punir com justiça: estratégias para a dosimetria da pena em casos de feminicídio". Ela explicou que sempre houve uma grande resistência em relação a uma análise de casos envolvendo violência de gênero. "Estamos lidando com raízes bem estabelecidas. Existe o pensamento histórico de que os autores de feminicídio não representam um perigo para o funcionamento da sociedade e que a vítima é conivente com a própria tragédia, o que é totalmente errado", disse. 

A palestrante compartilhou algumas experiências profissionais, como a atuação no caso Joana Mendes, morta a facadas pelo marido dentro do carro em Maceió, e falou sobre a importância do Tribunal do Júri para o julgamento desses crimes: "Chamamos o próprio povo para fazer justiça". 

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"Confiança para terem a dignidade restaurada" 

 O Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Rogério Leão Zagallo, falou sobre "O uso de arquétipos no discurso acusatório". Ele já participou de mais de 1.600 julgamentos ao longo dos 32 anos de carreira, e compartilhou toda essa vivência com os membros do MPSC, na tarde de sexta-feira (27/6). 

"Arquétipos são intuições que estão no inconsciente coletivo, ou seja, valores e informações que levam as pessoas a tomaram as decisões que acham corretas", explicou. Na sequência, discorreu sobre a importância do uso dessas ferramentas por parte de Promotoras e Promotores de Justiça que atuam no Tribunal do Júri para convencer os jurados e, consequentemente, confortar a sociedade.     

"Os familiares das vítimas de crimes dolosos contra a vida depositam em nós toda a confiança para terem a dignidade restaurada, e é preciso atuar de forma articulada para atender essa expectativa tão grande e trazer conforto a elas", afirmou o palestrante.   

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Vozes que convencem 

Três Promotoras de Justiça do MPSC integraram o painel intitulado "Vozes que convencem: atuação com perspectiva de gênero no plenário do Júri". Bianca Andrighetti Coelho, da 2ª Promotoria da Comarca de Navegantes, chamou atenção para o fato de que diferentes contextos regionais moldam as realidades vividas pelas mulheres catarinenses, e que "conhecer essas diferenças qualifica a atuação no Tribunal do Júri". Ela também ressaltou que existe um aparato legal para a garantia de direitos, e que o grande desafio hoje é mudar a mentalidade da sociedade em relação ao machismo estrutural. 

Daniela Bock Bandeira, da Comarca de São José do Cedro, falou sobre o número crescente de feminicídios e a motivação recorrente dos autores, ou seja, o ciúmes. Ela também destacou a importância da tipificação do feminicídio como crime autônomo através da Lei 14.994, sancionada em outubro de 2024 para punir com mais rigor quem atenta contra a vida de mulheres no contexto de violência doméstica.  

Ana Carolina Ceriotti, da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Guaramirim, também falou sobre a Lei do Feminicídio, esmiuçando os dispositivos. "A violenta emoção era usada para abrandar a pena, mas agora isso não existe mais, o que é um grande avanço legal",  considerou. A Promotora de Justiça também salientou que o feminicídio é o desfecho provável de um ciclo de violência que precisa ser combatido, desde o início, com rigidez. "A casa, que deveria proteger, acaba sendo local menos seguro para muitas mulheres, pois é lá que ocorrem muitos feminicídios". Sobre a atuação no Tribunal do Júri, ela ressaltou que "a voz que convence não é a que grita mais alto, mas a que tem os melhores argumentos para convencer os jurados". 

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Justa homenagem 

A programação do Encontro Estadual encerrou com o painel "No teatro da persuasão: estratégias de impacto no plenário do júri". O Promotor de Justiça Luiz Fernando Fernandes Pacheco, da 6ª Promotoria da Comarca da Capital, abriu os trabalhos destacando o sucesso do evento, e em seguida conduziu uma homenagem ao Promotor de Justiça Fabrício Nunes, da 11ª Promotoria da Comarca de Lages, pelos serviços prestados ao GEJURI.  

A Procuradora-Geral de Justiça Vanessa Wendhausen Cavallazzi fez a entrega de uma placa de agradecimento pelos anos de dedicação de Fabrício ao Júri e o Subprocurador-Geral para Assuntos Institucionais e Coordenador do GEJURI, Andrey Cunha Amorim, entregou uma lembrança ao Promotor de Justiça homenageado.  

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Na sequência, o Procurador de Justiça e Coordenador do GEJURI, Andrey Cunha Amorim, fez uma fala contundente sobre a atuação das Promotoras e Promotores de Justiça em julgamentos de crimes dolosos contra a vida. "Quando perguntarem a vocês o que é o Tribunal do Júri, respondam, simplesmente, que é um lugar onde se busca a justiça", concluiu. 

O Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e da Segurança Pública, Promotor de Justiça Geovani Werner Tramontin, por sua vez, compartilhou estratégias de persuasão para convencer os jurados e reforçou que o papel das Promotoras e Promotores de Justiça no Tribunal do Júri é estabelecer a verdade e defender a vida. 

Fechando o evento, o Promotor de Justiça Fabrício Nunes agradeceu a homenagem e fez um discurso em defesa da vida. "Todo ser humano carrega essa essência dentro de si, e é ela que defendemos no Tribunal do Júri, independentemente, de qualquer circunstância", finalizou.