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O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) foi palco de um debate internacional sobre o direito ao meio ambiente equilibrado nesta quinta-feira (5). As discussões aconteceram durante o Encontro Brasil - EUA, realizado no auditório do edifício-sede da instituição, em Florianópolis, e que reuniu Procuradores e Promotores de Justiça, pesquisadores, alunos da Escola do MP e outros operadores do Direito. 

A programação do evento teve duas palestras ministradas por James Robert May, professor de Direito da Widener University Delaware Law School, dos Estados Unidos, e renomado pesquisador na área do direito ao meio ambiente. May falou sobre litigância climática e federalismo constitucional ambiental. O evento teve transmissão pelo canal do MPSC no YouTube. Veja aqui.  

Na abertura do evento, o Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Paulo Antonio Locatelli, salientou a urgência de discutir o tema das mudanças climáticas. O Procurador de Justiça mencionou uma série de catástrofes ambientais ocorridas recentemente no Brasil para chamar atenção ao papel que os operadores do Direito têm a cumprir nesse tema. "Os desastres climáticos ocorrem em diversos locais do planeta e compartilham o mesmo padrão. Esses padrões podem e devem ser conformados pelo direito e pelas políticas públicas. Cada um aqui tem um potencial dentro da sua instituição de contribuir de alguma forma", destacou.

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"É importante que façamos essas reflexões. Todos aqui podemos ser escultores da realidade social frente à legislação que existe e diante desse manancial de peças judiciais e extrajudiciais à disposição. Precisamos ter em mente que todos aqui devem colocar em prática essas palavras para depois podermos falar de acordo com nossas ações", completou Locatelli.  

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (CME), Fernanda Broering Dutra, disse que conhecer as regras adotadas por outros países na proteção ao meio ambiente pode contribuir para a promoção de melhorias. "Em um mundo cada vez mais interconectado, em que os desafios ambientais transcendem fronteiras, compreender as abordagens e regulamentações variadas que os países adotam para proteger o meio ambiente é fundamental para a promoção da nossa sustentabilidade global. Esperamos que esse encontro inspire ações, promova mudanças positivas e fortaleça nosso compromisso coletivo com a preservação do meio ambiente", disse.   

O advogado, consultor jurídico na área ambiental e professor da Univali Marcelo Buzaglo Dantas registrou a relevância da programação. "Essa é uma oportunidade única para estarmos com uma das maiores referências em direito ambiental no planeta, que é James May", disse. "Esse é um tema que atrai membros da magistratura e do MP estadual e federal, tamanha a envergadura do assunto. Consegue atrair o interesse de profissionais que atuam com esse tema, mas também daqueles que estão em searas totalmente distintas", acrescentou.  

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Comparação entre os sistemas de justiça de Brasil e Estados Unidos

O foco das discussões do evento foi a forma como os sistemas de justiça de Brasil e dos Estados Unidos lidam com as ações ambientais e de que maneira suas respectivas respostas contribuem para combater as mudanças climáticas. No primeiro painel da programação, James Robert May e Marcelo Buzaglo Dantas relataram as semelhanças e divergências na legislação e na atuação dos tribunais dos EUA e do Brasil.

"A pergunta que temos de fazer é o que podemos aprender uns com os outros, entre as abordagens jurídicas dos EUA e do Brasil. Daqui a alguns anos estaremos tendo mais conversas sobre ações que foram trazidas em juízo a nível federal, subnacional nos EUA, e a mesma coisa no Brasil, para compartilharmos ideias sobre o papel dos tribunais em avançar essas regras para tentarmos lutar contra essa crise mundial", comentou May em sua exposição.  

Alguns relatos do professor da Delaware Law School constam também em um artigo que será publicado em breve nos EUA. O documento foi escrito em parceria com o professor da Univali Marcelo Buzaglo Dantas, que também trouxe suas percepções sobre a comparação entre os sistemas de justiça. "Há prós e contras nos dois regimes. Acho, contudo, que nós no Brasil temos maior facilitação do acesso da coletividade à jurisdição em prol da tutela climática, seja por termos uma instituição forte e independente, capacitada para levar às cortes brasileiras essa discussão, que é o Ministério Público, seja por não termos qualquer requisito sequer próximo do standing dos EUA", disse o professor, mencionando um dos princípios da lei estadunidense.  

Post O segundo painel da tarde, também apresentado por May, teve a participação da coordenadora do CME, Fernanda Broering Dutra, e a mediação do Juiz de Direito em Santa Catarina Orlando Luiz Zanon Junior. May e Dutra falaram sobre o cumprimento de leis e políticas ambientais sob a perspectiva do sistema federalista que EUA e Brasil adotam em suas repúblicas.

May falou como funciona a divisão dos poderes nos Estados Unidos, onde os estados têm maior autonomia para legislar, e explicou como se dá a relação entre as leis nacionais e as estaduais. "O poder é dividido nos Estados Unidos e há temas que só a federação pode legislar e temas que cabem aos estados", explicou. Apesar disso, os estados não podem entrar em conflito com leis federais, disse o pesquisador. "Os estados têm o poder de avançarem em certos temas, mas não em outros, como nas questões ambientais, que são as mais dinâmicas e urgentes de hoje. Isso é um dos motivos pelos quais os Estados Unidos não têm conseguido liderar as ações de combate às mudanças climáticas e, em vez disso, têm ficado para trás, porque isso está baseado na forma como foi construída a nossa Constituição", disse.

Em sua exposição, a coordenadora do CME, Fernanda Broering Dutra, apresentou as diferenças na forma como se organiza o sistema federativo no Brasil e a legislação na área ambiental no país. "Nossa Constituição previu nos artigos 24 e 30 as formas de legislação na seara ambiental. No nosso país, temos uma preocupação de que os recursos naturais não se submetem a fronteiras políticas artificiais. A União, os estados e o Distrito Federal têm a competência de legislarem concorrentemente sobre o meio ambiente, cabendo à União legislar sobre as normas gerais e aos estados sobre normas específicas", detalhou. 

Fernanda listou princípios constitucionais que embasam a legislação ambiental e destacou como cada ente pode legislar sobre essa temática. Ela encerrou sua fala com uma avaliação sobre as potencialidades que o arcabouço legal fornece e o que ainda precisa ser aprimorado. "No Brasil, temos legislações abundantes e muito boas para serem usadas na seara do meio ambiente, mas o que nos falta é uma práxis mais consentânea com esses preceitos constitucionais e legais", falou. "Abundam normas, mas faltam ações, tanto de âmbito político quanto de controle judicial, para o efetivo compromisso com as gerações presentes e futuras, dada a natureza transnacional e transgeracional dos problemas ambientais. Não temos um segundo planeta para morar. Se amamos nossos filhos e crianças, precisamos cuidar do meio ambiente e, para isso, é essencial que haja solidariedade entre os entes da federação e entre os países", completou.

Realizado pelo MPSC em parceria com a Escola do Ministério Público e a Univali, o Encontro Brasil - EUA resulta de uma parceria firmada entre a Univali, a Delaware Law School, dos Estados Unidos, e o MPSC, assinada em julho deste ano.