Inspirado na Constituição Federal de 1988 e na Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente de 1989, em julho de 1990 foi promulgada uma legislação que representou uma mudança na garantia dos direitos infantojuvenis no Brasil: o Estatuto da Criança e do Adolescente. A consolidação da Doutrina da Proteção Integral no ordenamento jurídico, a mudança paradigmática e o estabelecimento da condição da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direito; a instituição dos Conselhos Tutelares e a obrigatoriedade de sua criação em todos os municípios brasileiros; a criação da figura da medida de proteção (art. 100, ECA); e a regulamentação de procedimentos na área da adoção, estão entre os avanços.
O Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude, Promotor de Justiça João Luiz de Carvalho Botega, destaca a importância de esclarecer o papel do Estatuto da Criança e do Adolescente para a sociedade, que em alguns casos o vê com maus olhos. "Existem muitos mitos em relação ao ECA, como a visão de que ele só confere direitos e não dispõe sobre deveres. Isso não é verdade. É preciso desmistificar que o Estatuto fomenta a impunidade, por exemplo, pois ele tem um sistema muito efetivo em relação à responsabilização do adolescente que comete um ato infracional. Há muitos dados que comprovam que o sistema socioeducativo é mais eficiente do que o prisional."
A lei, sancionada em 13 de julho de 1990, garante a proteção integral da criança e do adolescente como sujeito de direitos, assegurando seus direitos à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao lazer, à profissionalização e proteção no trabalho, dentre outros. Reforçou-se, também, que toda criança e adolescente, independentemente da situação familiar, origem étnica, condição econômica, religião ou crença, deve ter seus direitos fundamentais garantidos. O Estatuto, em específico, estabelece ainda que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Ministério Público atua como um importante instrumento social para garantir a efetivação de tais direitos previstos na legislação. "O ECA é um marco, uma mudança de paradigma na atuação do MP na área da Infância e Juventude. Um divisor de águas, que reforçou o papel da Instituição", ressalta o Promotor de Justiça. "O MPSC atua em duas frentes, nos casos individuais para proteger os direitos de uma criança ou adolescente em específico, quando eles não conseguem vaga na creche ou na escola, em caso de violência ou quando não conseguem acesso aos medicamentos que precisam, por exemplo. Por outra vertente, o MP atua na tutela coletiva, na garantia dos direitos difusos e coletivos infantojuvenis, como direitos à saúde e à educação", acrescenta.
Surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente
Antes da promulgação do Estatuto, o ordenamento jurídico brasileiro adotava a Doutrina da Situação Irregular, que era consolidada pelo Código de Menores de 1979, na qual a criança e o adolescente eram meros objetos de tutela do Estado, legitimando a intervenção estatal apenas nos casos em que tais sujeitos enquadravam-se como "menores em situação irregular", como estabelecia a lei. O termo fazia referência aos menores de 18 anos que praticavam infração penal, que se encontravam abandonados materialmente, eram vítima de maus-tratos, ou estavam em perigo moral e desassistidos juridicamente. Sob a égide do Código de Menores, a "Justiça de Menores" apenas aplicava o Direito do Menor, sem qualquer preocupação com a compreensão da condição peculiar de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, bem como de suas demandas e necessidades.
Com a Constituição Federal de 1988 - sobretudo no artigo 227, que adotou expressamente a Doutrina da Proteção Integral como novo paradigma ao ordenamento jurídico - tornou-se dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e aos adolescentes, com prioridade absoluta, a efetivação de seus direitos previstos na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas demais normativas esparsas.