Detalhe
O Corregedor Geral do Ministério Público, afim de orientar os Promotores Públicos nas ações de usucapião de bens imóveis, por força do art. 18 da Lei Orgânica do Ministério Público, em termos de provimento, esclarece o seguinte:
1. USUCAPIÃO ORDINÁRIO - (art. 551 do Código Civil)
O Promotor deverá certificar-se se houve posse contínua e incontestada por dez anos entre presentes ou quinze anos entre ausentes, o justo título e a boa fé. O promovente deverá demonstrar, que sua posse foi mansa e pacífica no aludido espaço de tempo, e que não sofreu turbação de terceiros; a expressão "ausência" não é aquela referida no art. 463 do Código Civil e sim, reputam-se presentes, os residentes no mesmo Município. Por justo título considera-se todo o ato jurídico próprio em tese para transferência do domínio, mas insuficiente pela existência de um óbice, cuja remoção é pleiteada pela prescrição aquisitiva; entre os justos títulos alinham-se : escrituras de compra e venda, permutas, sentenças que em inventários ou arrolamentos adjudicarem bens de raiz em pagamento das dívidas da herança, arrematações e adjudicações em hasta pública e a dação em pagamento.
O art. 552 do Código Civil permite que o possuidor some a sua posse, a de seu antecessor, desde que ambas sejam contínuas e pacíficas.
No exame do requisito da boa fé, atentar que nestes não se incluem: o pretendente que conhecendo o dono do imóvel, ocupa-o como caseiro, inquilino, comodato, etc. Não havendo certeza na imaculabilidade da posse, o interessado deve recorrer ao usucapião extraordinário.
2. USUCAPIÃO RÚSTICO - (art. 98 da Lei 4.504 de 30.09.64, Estatuto da terra)
O requerente para essa modalidade aquisitiva, deve fazer prova de que não possui outra propriedade, seja urbana ou rural. A condição de que esteja ocupando o imóvel há dez anos, continuamente e sem oposição, de quem quer que seja e não reconheça domínio alheio. A área usucapienda deve ter-se tornado produtiva, e esta não deverá ser superior a 100 hectares. Para seu reconhecimento, dispensam-se o justo título e boa fé.
3. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - (art. 550 do Código Civil, com nova redação dada pela Lei nº 2.437, de 07.03.1955)
As exigências para esta modalidade de prescrição são a posse pelo prazo mínimo de 20 anos, sem interrupção ou oposição de quem quer que seja, presumindo-se nesse caso, o justo título e boa fé; contudo deve ser demonstrado que exerce a posse mansa e pacífica, pelo prazo mencionado, ininterruptamente e sem contestação.
4. A AÇÃO
O Art. 942 do Código de Processo Civil exige que a petição inicial seja ilustrada com uma planta do imóvel; essa planta possibilita o conhecimento exato da situação do imóvel pretendido, sua localização , confrontantes, a existência de caudais ou braços de mar, passagem de rodovias, ferrovias, etc. Importantes para inúmeras providências.
O Promotor, não se satisfazendo com a planta apresentada, com fulcro no art. 83, nº II do Código de Processo Civil poderá pedir, na forma do art. 437 do mesmo diploma, realização de perícias que esclareçam detalhes, entre elas, principalmente o assinalamento das áreas marginais a rios, terrenos de marinha, qualidade dos confinantes, etc. referidos na lei 9.760 de 05.09.1946, bem como, se for de interesse, o assinalamento de benfeitorias, especificando aquelas construídas pelo pretendente, determinação da idade destas, etc.
O inciso 1º do art. 492 do Código de Processo Civil dispõe que o autor requererá uma audiência preliminar para justificar a posse. Consoante os termos da Lei Orgânica do Ministério Publico de Santa Catarina (art. 31, II), o Ministério Público poderá estar representado pelo Promotor Substituto; não bastasse essa norma é de se considerar a indivisibilidade do Ministério Público.
Até a data da audiência mencionada, deverão ter sido efetuadas as citações; aquele em cujo nome estiver transcrito o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes, deve ser feita pessoalmente; cumpre ao autor, com a inicial, trazer a Certidão do Cartório de Registro de Imóveis, mencionando a pessoa que possua o domínio; se a área não estiver em nome de ninguém, deverá juntar a certidão negativa, expedida pelo mesmo Cartório; não obstante isso, uma vez conhecido o indivíduo detentor do domínio, sua citação pessoal se faz necessária, sob pena de nulidade. Em se tratando de imóveis de grandes dimensões, há muitas probabilidades que o rol dos confinantes não esteja atualizado, podendo ocorrer que fiquem omissos.
Caso um dos confinantes do imóvel seja União, Estado ou Município, a citação deverá ser, mediante precatória ao Serviço de Patrimônio da União ou do Estado, e pessoalmente, do Município; apesar disso, é de boa cautela o Promotor constatar se o imóvel não está dentro ou limitado por faixa de rodovia estadual ou federal; nesse caso deverá exigir a citação do Departamento de Estradas de Rodagem (Nacional ou Estadual), que são entidades autárquicas com personalidade jurídica distinta das Fazendas Públicas; tendo o Patrimônio da União e do Estado sido cientificados pessoalmente, por precatória, as citações do DNER e DER podem ser feitas por carta, com AR. Alertamos que a Secretaria do Meio Ambiente pode ter interesse nas faixas marginais aos rios, sendo conveniente informá-la.
A citação dos réus ausentes, incertos e desconhecidos se faz por edital, publicado uma vez no Diário Oficial, e duas vezes no jornal local, se houver, não vindo ao caso se é diário ou semanário; outrossim, o edital deverá ser fixado em local próprio do Fórum. As citações mencionadas, valerão - para todos os termos do processo; o edito terá o prazo de 20 a 60 dias, conforme art. 232, IV do Código de Processo Civil.
O artigo em epígrafe, no seu § 2°, manda que sejam cientificados por carta, os representantes da Fazenda Pública da União, do Estado, do Distrito Federal, Territórios e do Município. A expressão carta, é a carta precatória, que na hipótese catarinense, é endereçada ao Juiz de Direito da Vara da Fazenda, para que sejam citados o Procurador Geral do Estado e Procurador da República. Independentemente destas providências, recomenda-se aos Promotores Públicos, para saberem se o imóvel é ou não do domínio público, consultem o IRASC ou Serviço de Patrimônio do Estado, bem como um especial cuidado no exame da planta, diligenciando junto à fonte ao seu alcance (entrevistas com moradores, conhecedores da região, etc.).
Na hipótese de intervenção qualificada litisconsorcial (assistência ou oposição), deve ser promovido o deslocamento da competência do Juiz para o foro privilegiado de que desfrutam essas entidades públicas: Vara da Fazenda ou Justiça Federal.
Entre as cautelas mencionadas, cumpre ao Promotor verificar se a área pretendida não está relacionada, em todo ou em parte, entre os imóveis relacionados na Lei n° 9.760 de 05.09.1946: entre estes, realçamos: terrenos de marinha, marginais à rios navegáveis (constituam ou não aquavias utilizadas no momento), terras devolutas, consideráveis à defesa de fronteiras, ou vizinhanças de instalações militares, ou a qual quer título incorporadas ao patrimônio (inclusive faixas marginais de rodovias federais ou estaduais). De acordo com a Súmula 340, os bens dominicais e demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião.
A faixa de fronteira referida no diploma mencionado é a área com 150 quilômetros de largura, paralela às divisas internacionais (Lei 2.597, de 12.09.1955) e a dúvida sobre a demarcação somente pode ser questionada se a terra se situar exatamente a 150 quilômetros da fronteira, ou seja, afetável pelos trabalhos demarcatórios.
5. OUTRAS CAUTELAS
5.1 - O proponente, se casado, necessitará do consentimento do cônjuge, por força do art. 235, n. I do Código Civil, e art. 10 do Código de Processo Civil. Se ambos peticionarem, há uma vantagem no prosseguimento da ação, caso sobrevenha falecimento do autor.
Por outro lado, deve constar da inicial o nome, estado civil, profissão e domicílio do réu, na forma do art. 282. II do Código do Processo Civil. Dada a natureza da ação, não é de estranhar que esses dados sejam omitidos, cabendo ao Promotor averiguar se existem causas que impedem ou suspendem a prescrição, a saber: as hipóteses do art. 168 e 169 do Código Civil, aos quais se acrescenta: os mobilizados nas forças armadas em serviço de guerra (Lei nº 19 de 10.02.47) cujas normas são extensíveis aos que servem nos contingentes da ONU ou OEA (art. 169, II , Código Civil), os que estavam nestas condições (Lei nº 1.025, de 30.12.1949), menores de 18 anos (art. 440 da Cons. Leis do Trabalho) etc.
5.2 - Se o pedido for formulado por espólio, viúva ou um só herdeiro do detentor, da posse, deverá pleitear a representação nos autos de todos os herdeiros, salvo se um herdeiro possuir, com manifesta exclusividade, e durante o tempo hábil, credenciais para a aquisição do domínio.
5.3 - Com base no art. 923 do Código de Processo Civil, devem ser juntadas as certidões do promovente e seus antecessores, se for o caso, atestando a posse da área usucapienda no período exigido, bem como da inexistência de ações possessórias durante aquele período.
5.4 - Com base no que dispõe o art. 83 n. II do Código de Processo Civil o Promotor deve pedir as providências do art. 437 do mesmo diploma, se constatar que o imóvel não está descrito com exatidão; isso porque, principalmente em se tratando de imóveis de grandes dimensões, há probabilidades em ser cortado por rios, rodovias, ferrovias etc., e constituindo o usucapião uma forma de aquisição de domínio, devem estar claros os requisitos que possibilitem a transcrição. Não se defere usucapião, nos casos de glebas incertas e não individualizadas. Ao se requerer peritagem, requerer também arbitragem dos honorários e prévio depósito destas, pela parte, na forma do art. 19 § 2º do Código de Processo Civil.
5.5. - Deve ser exigida a prova do pagamento dos tributos (devidos ao Município, ou INCRA), medidas que além de constituírem comprovação da posse, determinem o valor venal do imóvel, afim de satisfazer as exigências do art. 945 do Código de Processo Civil. Nestas, não se inclui o Imposto de Transmissão Intervivos, pois o usucapião constitui forma original de aquisição.
6. ASPECTOS QUE MERECEM INTERESSE
6.1 - Na hipótese da Fazenda Pública ser citada, porém nada alegar, e a ação de usucapião ser julgada procedente, sendo usucapida alguma área do domínio público, e inexistindo nulidade sanável em recurso (entre elas, deficiência de citação), somente a ação rescisória pode desconstituir o julgado.
6.2 - A sentença que declarar justificado a posse, deve ser prolatada na própria audiência; se assim o for, incide o disposto no art. 242 §§ 1º e 2º do Cód. P. Civil, estando automaticamente intimadas as pessoas cientificadas na data da realização do ato; esse entendimento é reforçado nos dizeres do art. 942 § 1º do Código de Processo Civil, dispensando expressamente novas comunicações aos réus, representantes da Fazenda e Órgão do Ministério Público; este último, se presente ao ato; caso contrário, será intimado pessoalmente (art. 236 § 2º, do Código de Processo Civil).
6.3 - Não sendo publicado o edital de citação até o dia da justificação, na hora aprazada para o ato lavrar-se-á um termo do ocorrido, consignando-se as presenças e ausências, designando-se nova data; os presentes serão nessa ocasião cientificados da nova data, e os ausentes estarão presumivelmente cientes deste fato, dispensando-se nova comunicação, em obediência aos termos dos artigos 242 §§ 1º e 2º combinado com o art. 942 § 1º. Deverá contudo ser providenciada nova publicação do edital, com o prazo e formalidades legais. A ausência, do Promotor exigirá intimação pessoal.
A conduta será a mesma se outra for a comunicação faltante, repetindo-se tão somente a citação ou a intimação não consumada a tempo; à nova data aprazada, realizar-se-á, o ato, prolatando-se a decisão durante a audiência, contando-se daí o prazo para o oferecimento da contestação.
6.4 - Na alegação de usucapião como matéria de defesa, encontramos que deve ser citado como matéria de defesa em ação demarcatória, possessória ou divisória, sob pena até de interromper a prescrição aquisitiva; todavia, a decorrência de seu reconhecimento é uma só, ou seja, a improcedência, da ação intentada. Ao Juiz cabe outorgar domínio com base, tão somente, na contestação, sem ouvir os confinantes, as Fazendas e sem cumprir as demais exigências legais.
6.5 - No caso do proponente, no curso da ação, ceder seus direitos possessórios a terceiro, e este prosseguir na lide, a substituição é admissível caso não haja contestação; caso haja contestação, na forma do art. 42 § 1º, do Código de Processo Civil caberá ao substituto discutir a alegação em contrário ou aguardar a solução da lide, para após, regularizar a documentação. Contudo, a Jurisprudência já se manifestou favoravelmente ao deferimento da providência (Rev. Tribunais 455/105).
6.6 - O Autor não precisa necessariamente residir na área usucapienda, podendo residir mesmo noutra cidade; contudo, isso não afeta a expressão "ausentes", e que sejam preenchidos os requisitos hábeis para a obtenção do domínio.
6.7 - Nos termos do art. 553 do Código Civil, as causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, aplicam-se ao usucapião, assim como ao possuidor se estende o disposto ao devedor. As causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição encontram-se arroladas nos artigos 168, 169, 170, 171 e 172 do Código Civil. A isso se acrescenta, a relevância da prescrição sobre brasileiros empenhados em operações de guerra (Lei 19, de 10.02.47), contando-se o prazo conforme os termos do art. 452 do Código Civil; não ocorre prescrição durante a liquidação extra-judicial de Bancos (D. L. 9.228, de 03.05.46, art. 4º) e contra os menores de 18 anos (art. 440 da Consolidação das Leis do Trabalho). É suspensa, segundo o art. 147 da Lei de Falências (D. L. 7.661) no concernente às obrigações de responsabilidade do falido.
6.8 - Podem ser adquiridos por usucapião todas as coisas ditas hábeis para este fim, ou que sejam comerciáveis, alienáveis, adquiríeis, sujeitos à apropriação privada, bem como certos direitos reais; assim, pode incidir sobre o usufruto, o uso, a habitação, a enfiteuse, a servidão, direito do credor sobre a renda do imóvel, pertencente ao devedor, penhora, anteveres, hipoteca, bens da Igreja ou instituições pias, bens dotais e as coisas legalmente inalienáveis. Não podem ser objeto de prescrição aquisitiva os bens fora de comércio, os bens públicos, os dados em locação agrícola, os bens de menores, os bens dotais, os bens em condomínio, e bens de herança, os salvados marítimos, os terrenos de marinha e as terras devolutas.
7. ATUAÇÃO DO PROMOTOR NAS AÇÕES DE USUCAPIÃO
7.1 - O Órgão do Ministério Público intervém obrigatoriamente em todos os atos do processo de usucapião (art. 944 do Código de Processo Civil). Funcionando como fiscal da lei, ou como representante dos ausentes, mas sempre na qualidade de fiscal, incumbe ao Promotor nestas ações, apontar toda e qualquer irregularidade que porventura haja surgido no curso do processo. Tratando-se de matéria de interesse público, tem vista dos autos depois das partes, sendo sempre intimado pessoalmente para todos os seus atos. Porém não é contemplado com a contagem dos prazos em quádruplo, para contestar e recorrer, conforme preconiza o art. 188 do Código de Processo Civil, de vez que não atua como parte, e sim como fiscal.
7.2 - O réu revel, mencionado no artigo 9º do Código de Processo Civil, é aquele conhecido mas que se encontra em lugar incerto e ignorados e consequentemente deve ser citado por edital. Os réus incertos e desconhecidos não estão abrangidos pela mencionada norma; podem mesmo não mais existirem, e consequentemente, a expressão "ausentes" não lhes é aplicável, pelo que, a rigor, não merecem defesa de Curador Especial ou Curador de Ausentes. Contudo, o art. 29-V-letra "a" da Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina, atribui ao Promotor Público o encargo de oficiar em todos os feitos cíveis em que forem parte os ausentes, e todos aqueles que se defenderem por Curador; assim, ao ensejo de cada vista do processo, por força legal, o Promotor Público tem uma dupla função, resguardando os interesses dos que não comparecerem e mesmo daqueles sobre cuja existência haja dúvidas, devendo, na primeira oportunidade que se apresentar; mencionar essa qualidade.
7.3 - De regra, o Promotor Público, tem notícia do processo quando é intimado para a audiência de justificação, participa; através da vista nos autos, ele se manifestará, sobre aquele ato; é de boa cautela formular todos os seus requerimentos nessa vista, simplificando para o autor o atendimento de suas exigências; posteriormente, verificará se os seus pedidos foram cumpridos.
Florianópolis, 9 de dezembro de 1975.
RUY OLIMPYO DE OLIVEIRA
CORREGEDOR-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO