André Stefani Bertuol integra o MPF desde 1999, iniciando na Procuradoria da República em Santos/SP e, em seguida, em Santa Catarina. Tem destacada atuação perante a Justiça Eleitoral: iniciou como Procurador Auxiliar da Propaganda nas eleições de 2006, tornou-se Procurador Regional Eleitoral substituto por dois mandatos, de 2012 a 2016, e depois, por mais dois mandados, entre 2019 e 2023, foi Procurador Regional Eleitoral efetivo. Também atuou como auxiliar da propaganda nas eleições de 2010, 2016 e 2018.
Qual é a importância do fortalecimento das relações institucionais para os processos eleitorais em Santa Catarina?
Total. Desde o início, e ainda como substituto do PRE, de 2008 a 2012, atuei pelo MPF em conjunto com todos os órgãos integrantes, incluindo TCE, TCU, CGU e o próprio MPSC, entre tantos outros, até mesmo porque todos participávamos da Rede de Controle da Gestão Pública no Estado de Santa Catarina, o que propiciou a identificação e instrução de demandas eleitorais específicas, além, claro, da colaboração em todas as demais áreas. Com relação especificamente ao MPSC, já no primeiro mandato formei uma lista de todos os promotores eleitorais para interação direta. À época, isso só era possível por e-mail, mas funcionou bem e acredito que tenha sido a primeira vez que isso ocorreu. Nestes últimos dois mandatos, formamos novamente um grande grupo de WhatsApp em que também estive permanentemente à disposição, o que possibilita discutir e prestar esclarecimentos sobre iniciativas, ações, entendimentos e processos em andamento. Para isso sempre contamos com o apoio do Centro de Moralidade Administrativa do MPSC, responsável também pela área eleitoral, com quem mantivemos contato permanente e a cuja reconhecida competência e amizade muito agradecemos, na pessoa de seus coordenadores e servidores. Muitos trabalhos derivaram dessas cooperações, como as investigações e instruções de feitos criminais pelo GAECO do MPSC, diligências solicitadas pela PRE para seus próprios feitos e tantos outros exemplos.
Tive a honra também de participar dos Seminários Regionais Eleitorais promovidos inicialmente pelo MPSC e PRE e depois integrados por outros órgãos. Participei dos de 2012, 2016 e 2020, este na forma de seminários virtuais, infelizmente. Em 2012 e 2016 percorremos as principais cidades do estado. No primeiro, apenas eu e o Dr. Pedro Decomain, referência eleitoral, realizando palestras pela manhã e à tarde e respondendo diretamente a quaisquer perguntas, um verdadeiro desafio. No de 2016 já contamos com outros órgãos com quem dividimos as apresentações e o tempo de exposição. Outra iniciativa relevante foi a participação da PRE na campanha Bora votar/Meu Primeiro Título, do TSE/TRE, com visitas aos principais municípios catarinenses, em eventos realizados em escolas estaduais com grande participação e resultados neste estado que, ao que consta, mais do que triplicou o número de jovens eleitores (16 e 17 anos) desde o início da campanha, e a realização da primeira eleição suplementar (Petrolândia) com eleição paralela no interior do estado, contando com o convite e participação de servidores do TSE, OAB e de observadores internacionais (incluindo EUA), que verificaram as etapas de checagem e de segurança e atestaram a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro.
O senhor esteve atuou no MPE em quatro pleitos eleitorais. O que mudou na atuação ministerial nesse período?
O primeiro mandato como PRE titular, em 2012, foi bastante combativo para estabelecer no âmbito do TRE as teses de aplicação da Lei da Ficha Lima, então no seu primeiro ano de aplicação efetiva. A atuação do MP Eleitoral catarinense sempre foi muito eficiente e determinante, agindo com rigor e diligência, sem deixar de se pautar pelo bom senso. Temos assistido também a uma crescente integração do Ministério Público Eleitoral como sistema em seus três níveis, promotores eleitorais, Procuradoria Regional Eleitoral e Vice-Procuradoria Geral Eleitoral, em Brasília. Esta tem atuado na elaboração de sistemas de integração e na normatização geral que vêm sendo transmitidos e aplicados pelas Procuradorias Regionais junto aos promotores, com o auxílio das correspondentes Procuradorias-Gerais de Justiça e seus centros de apoio. Essa integração está em pleno andamento, embora não de modo uniforme em todos os estados, já que alguns estão mais adiantados que outros nessas relações, porém esse é um fato de crescimento inegável.
Também na última eleição geral de 2022 elaboramos uma delegação de atribuições aos promotores eleitorais para que, no âmbito de suas competências já previstas na legislação da Vice-PGE e de outros feitos já tratados pela PRE/SC, fosse possível adiantar o levantamento de informações para instruir as ações próprias da PRE ou mesmo, com base em precedentes, arquivar imediatamente representações que não resultariam em qualquer ação efetiva, com isso evitando bastante o retrabalho desnecessário. Essa iniciativa foi declarada uma boa prática e recomendada a todas as Procuradorias Regionais Eleitorais pela VPGE.
Em meus últimos mandatos conduzimos satisfatoriamente, ainda, em conjunto com a Procuradoria-Geral de Justiça, a unificação dos mandatos dos promotores estaduais no Estado de Santa Catarina.
As eleições de 2020 ocorreram durante a pandemia. No ano passado, tivemos ânimos acirrados e proliferação de fake news. Como foi o enfrentamento a esses desafios?
A pandemia foi enfrentada a contento em termos tecnológicos, com a virtualização do funcionamento dos setores administrativos e jurisdicionais do TRE, PRE, juízos e promotorias eleitorais, incluindo serviços cartorários. Tivemos muito poucos contratempos decorrentes da pandemia relacionados aos processos eleitorais de 2020 e 2022 em si, e afora tratar-se de uma tragédia mundial, a necessidade adiantou e tornou definitivo e irreversível o avanço de sistemas das diversas formas de trabalhar e de se deslocar ou não.
Ânimos acirrados são decorrência direta da polarização que tem caracterizado os últimos anos do processo político eleitoral, fazendo com que as preferências políticas se sobreponham a uma análise consciente dos fatos e a uma opinião balanceada dos adversários. A importância da educação e da participação política nesse aspecto é a de aumentar o interesse e de possibilitar a formação de novas lideranças, a democratização de partidos e de candidaturas e o aperfeiçoamento da legislação eleitoral nessa direção atendendo a interesses dos eleitores. Com um número maior de candidatos que sejam considerados aptos aos cargos a que concorrerem e de partidos cujas plataformas sejam menos dispersas e vistas como mais confiáveis a serem defendidas caso o partido alcance o poder, tende a aumentar o espectro de escolhas e de nuances nas propostas apresentadas, de modo a que o eleitor não se tenha como reduzido e obrigado a apenas duas formas de escolha.
As fake news são uma tendência sempre crescente e cada vez mais ampla e perigosa, não apenas do processo eleitoral, mas de toda a atividade política ou de outras áreas. Novamente, seu enfrentamento eficaz depende da tecnologia para sua imediata identificação e da imprescindível rapidez na sua resposta e tratamento de modo a anular ou reduzir seus efeitos, bem assim da atuação conjunta de diversos órgãos e setores especializados para esse embate. É importante, no entanto, que também não se aproveite politicamente o argumento para, a esse título, simplesmente desconsiderar os princípios constitucionais do direito à livre expressão e a outras liberdades cívicas, nem que se trate a matéria desproporcionalmente, por razões que não sejam as verdadeiramente declaradas a esse título ou que não estejam voltadas propriamente ao direito à boa informação ou à tutela da liberdade de votar ou da honra e da personalidade, senão a outros motivos de interesses menos louváveis.
Em termos tecnológicos, ainda, é importante citar uma nova iniciativa ainda em fase de implementação, a solução QRTot, uma nova ferramenta de leitura de boletins de urna em cada sessão eleitoral, desenvolvida pelo TRE/SC e hospedada no site do MPSC, e que é um aplicativo para leitura por celular e totalização paralela por urna, por qualquer do povo, certificando com isso também, adicionalmente, a confiabilidade do sistema. É provável que o sistema substitua em um futuro próximo o transporte de mídias físicas entre as urnas e os cartórios eleitorais para totalização, como é feito hoje. O TSE observa o desenvolvimento e testes da ferramenta, até agora todos bem-sucedidos. A primeira utilização, em 2022, contou com a leitura dos boletins por parte dos promotores eleitorais em suas respectivas seções.
E para as próximas eleições municipais, que ocorrem no ano que vem, que desafios deverão ser encontrados pelo novo Procurador Regional Eleitoral?
Em termos legislativos, é necessário atentar para as modificações que são feitas permanentemente, praticamente a cada ano anterior ao ano eleitoral, e que, como são feitas pelos próprios destinatários da norma, em geral, tendem a incluir tentativas de diminuição de controles e maiores dificuldades para os órgãos envolvidos. A cada vez, por exemplo, parece que se pretende diminuir o tempo propriamente de campanha e os prazos para que o Tribunal e a PRE exerçam completamente o ajuizamento, processo e julgamento definitivo de feitos eleitorais, para cujo descumprimento inclusive a legislação já prevê penas severas, o que, assim, fica cada vez mais dificultado. Paralelamente a isso, uma curva de gráfico mostraria um aumento crescente do número de processos ajuizados e julgados a cada eleição, sendo as duas últimas, salvo engano, sido recordes nesse sentido, de modo que é essencial o incremento da atuação conjunta e da capacidade de atuação da PRE e das promotorias eleitorais, através de sua estrutura e servidores.
Acredito também que é fundamental um aprimoramento da legislação, do controle e da jurisprudência acerca da prestação de recursos públicos utilizados eleitoralmente por partidos e candidatos como o Fundo Partidário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC).
Diversos aspectos deveriam ser tornados mais claros e mais eficientes. Começo com a própria comprovação da correta utilização desses recursos. O principal meio de comprovação deveria ser sempre a transferência eletrônica, rastreável, entre o candidato e o partido e o fornecedor direto. Além dessa, elementos complementares cumulativos: contrato com a especificação do serviço, seu valor e horários, notas fiscais, exemplares da publicidade impressa com indicação da gráfica de publicação e prova dos demais serviços prestados. Muitas das comprovações hoje são feitas praticamente em termos de autodeclaração e com a apresentação de documentos que podem ser produzidos unilateralmente, como notas fiscais de serviço emitidas em sites de prefeituras por qualquer interessado, contratos e recibos. O elemento cabal e indiscutível de prova será a movimentação eletrônica.
Também é de se tratar da eventual proibição ou melhor regulamentação da contratação de parentes para fornecimento de materiais (permitindo-se o pagamento regrado por atividade de campanha ou panfletagem), o estabelecimento de limites em valor ou percentual para o pagamento de atividades de coordenação de campanha (já que muitas vezes o pagamento é feito integralmente a esse título, sem que haja qualquer referência à campanha propriamente), para a contratação de serviços de panfletagem ou de compra de materiais, pelas mesmas razões, e, ainda, se possível, o estabelecimento de uma proporcionalidade entre o menor e o maior valores pagos ao mesmo título, dado que, embora haja a possibilidade de maior valoração entre o capital político dos contratados, muitas vezes há uma injustificável desproporção entre pagamentos para a mesma espécie de serviços, que pode mascarar a mera distribuição indevida de recursos.
Por fim, ainda tratando de recursos, acredito que seja necessário que a legislação torne clara a possibilidade de o Tribunal, em nível de recurso do candidato ou partido, corrigir e complementar a sentença que tenha se omitido em determinar a restituição de recursos cuja utilização não foi regularmente comprovada, quando prevista a restituição na lei, já que entendo que a matéria é de cunho constitucional, material e administrativo e não meramente processual, a ensejar a utilização do princípio da ne reformatio in pejus.