
A política urbana instituída pelo art. 182 da Constituição Federal tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Ainda em 1972, o princípio 15 da Declaração de Estocolmo já condicionava a aplicação do planejamento aos assentamentos humanos e à urbanização a fim de evitar repercussões prejudiciais sobre o meio ambiente e buscar os mais amplos benefícios sociais, econômicos e ambientais para todos. No Brasil, as Leis do Parcelamento do Solo (Lei n. 6.766/1979), o Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/2001), o Minha Casa Minha Vida (Lei n. 11977/2009), o Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) e a Lei Federal n. 12.608/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) e, nos municípios, os Planos Diretores, estabelecem, cada qual a seu tempo e modo, a obrigatoriedade de garantir a destinação de habitações em locais seguros. Mas o que devemos entender por HABITAÇÃO SEGURA? A resposta deve abordar diversos aspectos: ordenação e controle do uso do solo, infraestrutura adequada, integridade física, estrutural, ambiental, social, saúde dos moradores e segurança pública e documental.
A ORDENAÇÃO E O CONTROLE DO USO DO SOLO é fundamental. Para isso, a sociedade precisa ter consciência de que o interesse pessoal do proprietário urbano, ainda que legítimo e legal, não mais se sobrepõe ao interesse coletivo. Dessa forma, é preciso garantir espaços públicos, evitar a utilização inadequada dos imóveis e inibir a proximidade das moradias de locais que fazem usos incompatíveis ou inconvenientes das edificações. Nesse contexto, deve-se evitar a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego que dificultem a circulação, bem como os que acarretam perturbação do trabalho e do sossego alheio.
O planejamento das cidades deve garantir a oferta de equipamentos urbanos, como o abastecimento ininterrupto de água, energia elétrica segura, sistema de tratamento de esgoto eficiente, coleta de águas pluviais, de resíduos sólidos, fornecimento de linha telefônica e gás, etc. Garantir a oferta de equipamentos comunitários, com acesso à educação, cultura, saúde e ao lazer. Além disso, precisa garantir a mobilidade urbana e acessibilidade, não somente com foco no trânsito de veículos, mas de forma ampla e irrestrita.
A INTEGRIDADE FÍSICA e a SAÚDE DOS MORADORES é inerente ao conceito de segurança da moradia, que envolve a proteção contra as catástrofes naturais, com a identificação das áreas de risco, das ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades a desastres, de modo a evitá-los ou reduzir os impactos de sua ocorrência.
Sob o ponto de vista ESTRUTURAL, o dever ético-funcional do engenheiro e arquiteto é fundamental, aliado, sob o enfoque coletivo, dos seus respectivos conselhos regionais, que possuem responsabilidade social de fiscalizar e apurar irregularidades dos seus membros que impliquem em uso desordenado ou temerário do solo, bem como a utilização de materiais adequados à construção que se destinam, evitando-se acidentes.
Outra abordagem recai na questão AMBIENTAL e diz respeito às restrições legais das áreas de preservação permanente, protegendo as vegetações nativas e os recursos hídricos, amenizando ou evitando a fomentação de poluições de qualquer natureza e a degradação ambiental.
A abordagem SOCIAL também se impõe, pois deve ser valorizado o contato humano como forma de evitar a deterioração social, prestigiando os espaços públicos das cidades, como praças, mercados, jardins ou parques, pois, historicamente, nesses locais encontramos a essência do que é sermos iguais.
A SEGURANÇA PÚBLICA é outra expressão inerente ao próprio conceito de habitação segura, com a incorporação de medidas de proteção contra criminalidade e conflitos sociais de modo a diminuir a violência urbana.
Por fim, a DOCUMENTAL, que diz respeito à regularidade da construção, desde a solicitação do alvará e a concessão do habite-se pela administração pública municipal, incluindo o próprio registro no cartório competente do imóvel ou a possibilidade da sua regularização fundiária/usucapião.
Conciliar o direito à moradia segura ao cidadão e defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, de forma a atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas nas legislações, é o desafio maior que se impõe à sociedade e aos entes públicos. Para cumprir esse objetivo, devem ser adotadas políticas públicas para conhecer efetivamente a cidade em que se vive, com planejamento e implementação de ações voltadas a reconhecer quais são as áreas urbanas consolidadas, identificando-se as áreas de risco e de relevante interesse ecológico. Ao zelar pela habitação segura, garante-se um dos objetivos fundamentais da República, que é o de promover o bem de todos, propiciando dignidade ao ser humano e protegendo o meio ambiente.