05.10.2020

Artigo: A força normativa da Constituição e a Concretização do Estado Constitucional Democrático

Davi do Espírito Santo, Procurador de Justiça, Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

No dia 5 de outubro de 2020 a Constituição da República Federativa do Brasil completa 32 e a Constituição do Estado de Santa Catarina, 31 anos de promulgação. O que muitos devem se perguntar, especialmente no momento social e político atual brasileiro e estadual, é qual, exatamente, o papel destes textos constitucionais, em nosso contexto existencial ou, mais precisamente, para a nossa vida em um Estado que pretende constituir-se Estado Constitucional Democrático.

É o que se procurará resumir nas linhas que seguem, seguindo as clássicas lições do constitucionalista alemão Konrad Hesse. 1

A Constituição representa a ordem fundamental jurídica da coletividade que determina os princípios que dirigem a unidade política e o exercício das atividades estatais. Ela assenta os alicerces normativos sobre os quais se constrói a totalidade da ordem jurídica; nela se acham delineados não somente os procedimentos de superação de conflitos no interior de uma coletividade, mas também o próprio plano estrutural que lhe dá sentido e configuração jurídica. Neste plano estrutural situa-se toda atividade de criação, de validez, de execução e, em boa parte, do próprio conteúdo das demais normas jurídicas (as leis, decretos, resoluções, portarias etc.).

A ordem constitucional não admite, por isso, um estado de isolamento entre o Direito Constitucional e os demais setores jurídicos e destes entre si: trata-se, na feliz expressão de Konrad Hesse, de uma "coexistência não-unida".

No campo político, o Direito Constitucional gera as regras de decisão e de atuação política. Esta tarefa criadora, entretanto, orienta-se ao estabelecimento de pontos de referência dirigentes e não pode, destarte, substituir nem suprimir o espaço das forças políticas.

Há, na coletividade organizada, numerosas questões que não estão reguladas constitucionalmente e outras tantas que estão previstas unicamente em seus traços gerais. Isto não quer dizer que houve renúncia à tarefa de normatização determinante ou à de atualização concretizadora. Pelo contrário, no mais das vezes, a força constitucional está na livre discussão e decisão das questões políticas. Todavia, para que esta liberdade não acabe se transformando em discursividade monotônica, capaz de excluir a voz das diversas forças políticas, impedindo que na comunidade sejam traçados objetivos alternativos, a Constituição trata de fixar regras materiais, organizacionais e procedimentais para assegurar a participação e equilíbrio político destas forças.

No Estado Constitucional Democrático, para além dessas funções, também está prevista a condução suprapessoal do projeto constitucional, através da conformação e estabilização da vida da coletividade.

Ao proporcionar visibilidade e inteligibilidade à unidade política do Estado, a Constituição permite a participação política consciente e livre da coletividade. Ela possibilita, em sua função, um processo político livre, constitutivo, estabilizador, racionalizador, limitador do Poder Político em todas as suas esferas, sem deixar de preservar e assegurar o exercício da liberdade individual.

Nesse cenário, a Constituição, reivindica que as estruturas de Poder Estatal adotem uma postura concretizadora , assumida a partir de sua força normativa . Deste modo, a soberania popular traduzida na cláusula "todo poder emana do povo" é o princípio que indica a inalienável ordem de legitimação ao exercício do Poder Político no Estado. Somente ele afirma e assegura o direito à igualitária participação dos cidadãos na formação democrática da vontade popular e estabelece a articulação, através de procedimentos juridicamente regulados, entre o Estado de Direito e o Estado Democrático.

1 Texto sintetizado a partir de: HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução da 20ª edição alemã de Luís Afonso Heck Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1998, p. 37-43, passim. Título original: Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland.















Fonte: 
Artigo publicado no portal e nas redes sociais do MPSC.