Duas empresas e três sócios administradores tiveram os bens bloqueados em R$ 5 milhões por adulterarem leite bovino mediante adição de produtos químicos ilícitos. A indisponibilidade foi decretada, liminarmente, a pedido do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), em decorrência da Operação Leite Adulterado I, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco).

A partir de informações compartilhadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e de dados colhidos pelo Gaeco, a 2ª Promotoria de Justiça de Xaxim apurou que as adulterações ocorriam desde 2013, com a adição de soda cáustica, formol, citrato de sódio e água oxigenada na fórmula do leite comercializado. O acréscimo dos produtos tinha como objetivo mascarar a má qualidade do produto, notadamente com nível de acidez elevado e fora dos padrões exigidos em lei, de forma a minimizar perdas e obter maior lucro com a distribuição a outras empresas.

Foi verificado, também, que as empresas em questão, apesar de constituírem pessoas jurídicas diferentes, funcionavam no mesmo endereço, comercializavam o mesmo produto e eram administradas pelos mesmos sócios.

O bloqueio de bens foi deferido pelo Poder Judiciário, como forma de garantir o ressarcimento integral do lucro obtido irregularmente pelos réus. Na liminar, o magistrado reconhece a prática fraudulenta, que atingiu consumidores indistintamente, ultrapassando o caráter individual e beneficiando financeiramente os sócios administradores e as empresas. Dessa forma, a indisponibilidade recaiu sobre todos os envolvidos. A decisão é passível de recurso. (Autos n. 0900058-61.2015.8.24.0081)

Os nomes dos envolvidos não foram divulgados devido ao processo se encontrar sob sigilo de Justiça.

Como ocorriam as fraudes

Boa parte do leite adquirido pela empresa investigada era vendido in natura (cru) para grandes empresas do Rio Grande do Sul e São Paulo. A irregularidade era praticada devido as grandes distâncias a serem percorridas até a chegada no ponto de entrega do produto. Como forma de amenizar a alta perecibilidade, os químicos eram inseridos, causando, consequentemente, a diminuição do valor nutricional e tornando-o nocivo à saúde humana.

O Promotor de Justiça Simão Baran Júnior destaca que o procedimento realizado pelo empreendimento tinha como propósito aumentar o volume da mercadoria e inibir a multiplicação bacteriana que eleva a acidez do leite. "Os réus evitavam quaisquer perdas do produto, adulterando as características naturais do alimentos por meio de estabilizantes impróprios ao consumo humano, prevenindo, assim, a ocorrência do chamado leite ácido, o qual possui venda proibida".

Análise laboratorial

Segundo as análises do Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN) de Chapecó, produzidas em junho de 2014, as amostras coletadas em um supermercado indicavam a presença de substâncias impróprias para consumo humano - citrato de sódio, peroxido de hidrogênio, hidróxido de sódio e formol - e acidez acima dos limites previstos em lei. Além disso, destaca-se nos laudos que a prática era constante na empresa, ocorrendo em quase todas as cargas de leite vendidas.

Outra irregularidade identificada foi o preenchimento de planilhas de qualidade antes do carregamento do produto. A prática permitia camuflar as alterações na qualidade da mercadoria, que, segundo relato de funcionários, sofria a adição de substâncias tóxicas logo após o preenchimento do leite nos caminhões.



Hidróxido de sódio (soda cáustica)

O uso fraudulento da soda cáustica, adicionada ao leite, tem como objetivo substituir as boas práticas na produção ou no processamento do leite, pois, por ser um produto neutralizante de acidez, reduz o nível de acidez do leite e mascara a contagem de bactérias, fazendo com que um leite fora dos padrões de contagem microbiana aparente estar em condições regulares.

Conforme Informe Técnico n. 33 de 2007, expedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a soda cáustica é "uma substância corrosiva para todos os tecidos humanos e animais, que, em contato com a pele, provoca queimaduras severas. É considerado agente tóxico para ingestão".

Além disso, a segurança para sua utilização na indústria de alimentos depende do seu grau de pureza. As impurezas resultantes do método de fabricação podem ser metais pesados como chumbo, mercúrio e arsênico.

Peróxido de hidrogênio (água oxigenada)

A fraude por adição de peróxido de hidrogênio em leite cru é feita devido ao efeito antibacteriano do produto químico, permitindo que más condições higiênico-sanitárias de obtenção, conservação e transporte sejam dissimuladas.

A adoção dessa prática, em desacordo com a legislação vigente, objetiva o prolongamento da vida útil do leite até seu beneficiamento. Entretanto, o uso do peróxido de hidrogênio provoca a oxidação das gorduras do leite e a destruição das vitaminas A e E, e, com isso, ocorre a redução do valor nutritivo do produto.

Além disso, o peróxido de hidrogênio é um produto químico corrosivo, que pode causar problemas gastrointestinais leves e graves a depender da quantidade de produto adicionada ao leite.

citrato de sódio

Comumente conhecido como sal azedo, é usado para estabilizar o produto, mascarando as demais substâncias acrescidas ilicitamente. A concentração de citrato afeta o conteúdo de cálcio solúvel do leite.

formol

Usado para aumentar a vida útil do leite, o formol é considerado como uma substância altamente tóxica e tem a inserção totalmente vedada em alimentos, pois é considerada como carcinogênica - capaz de provocar câncer. Produzido a partir do metanol, o químico é rapidamente absorvido no trato respiratório e gastrointestinal do ser humano e não possui níveis seguros de exposição.


programa alcance mostra adulteração do leite

O que começou como uma denúncia de consumidor, pela qualidade suspeita do leite, resultou numa operação de inteligência contra o crime organizado e levou quase 70 pessoas à Justiça e fechou 14 empresas. Nesta playlist, você assiste ao programa Alcance Especial sobre a Operação Leite Adulterado, deflagrada pelo Gaeco em 2014. A reportagem percorreu mais de 1,5 mil quilômetros de estrada para atualizar os processos contra os 69 denunciados e a situação das empresas envolvidas e mostrar como é feita a fiscalização nas propriedades rurais e na indústria de laticínios.


PRODUÇÃO DO LEITE

No canal do MPSC no YouTube, além da versão produzida para a TV, o Alcance Especial sobre o Combate à Fraude no Leite disponibiliza vídeos sobre os cuidados com a ordenha e o controle de qualidade na indústria e as íntegras das entrevistas.

Garantia da qualidade do leite na ordenha

Veja os cuidados com o manejo das vacas e como é feita a ordenha  para evitar a contaminação na coleta.

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Leite tem fiscalização garantida pelo MPSC

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Imagem do Gaeco durante fiscalização na primeira etapa da Operação, em agosto de 2014

Relembre o caso

Em agosto de 2014, o GAECO de Chapecó deflagrou duas operações simultâneas para combater crimes contra a saúde pública e garantir direitos dos consumidores. As investigações haviam iniciado cinco meses antes com foco em empresas de laticínios, unidades resfriadoras e transportadoras de leite, cujos empresários e funcionários supostamente estavam falsificando e adulterando o leite destinado a consumo humano, tornando-o nocivo à saúde ou reduzindo o valor nutricional.

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