Você, ou até mesmo um amigo ou parente, pode já ter feito algumas dessas afirmações:
"Eu não estava doente."
"Não queria ser mais um problema para minha família."
"Fui ao médico para agradar os outros."
"Tive alucinações e pensamentos suicidas."
"Fui ao médico, mas bem 'armado', totalmente na defensiva."
"Não questionava o diagnóstico do médico, questionava como isso aconteceu comigo."
As frases acima são destaques de um depoimento real, de um paciente em tratamento há 10 anos e que hoje, apesar de ainda sentir alguns medos e inseguranças, encara a vida de uma forma mais leve e saudável.
Não revelaremos aqui o nome do autor desse depoimento, preservaremos a sua identidade.
Ele tinha uma rotina como qualquer outro trabalhador. Acordava cedo, ia para o trabalho, no final do dia voltava para a casa, cuidava dos pais, da irmã e ajudava a cuidar dos familiares que sofriam problemas graves de saúde. Profissionalmente, seguia a rotina normal de um operador de caixa, que dedicado ao seu ofício, em pouco tempo já assumia mais funções no setor financeiro da empresa onde atuava.
A carga de trabalho e os cuidados com a família acabaram sobrecarregando o jovem, que na época tinha apenas 20 anos de idade "trabalhava bastante, gostava do que fazia, ajudava a todos e não queria ser um problema para a família", conta.
Em agosto de 2006 a saúde do jovem rapaz pediu socorro. "Passei muito mal na empresa. Desmaiei. Fui levado ao hospital e a médica diagnosticou alto nível de estresse. Voltei a trabalhar e as crises continuavam, comecei ser agressivo com meus colegas de trabalho. Em outubro saí de férias, mas não conseguia 'desligar'. Quando voltei, continuei igual", relatou.
No entanto, a inquietação continuava. "Minha chefe me chamou para conversar e pedi para ser demitido. Atenta, ela me orientou a procurar ajuda. Comecei a ter alucinações (hoje eu sei que eram alucinações). Via e ouvia pessoas me chamando. Ainda assim achava que estava bem, pois eu tinha certeza que sabia separar minha vida profissional da particular e ignorei qualquer diagnóstico", conta o paciente que hoje, encontra-se em avançada fase de recuperação.
"Surtei! Mas a pedido dos meus parentes e amigos, procurei um médico que já na primeira consulta, receitou alguns medicamentos. Comecei usar a medicação para agradar as pessoas próximas a mim. Tinha muito preconceito com psicólogos, psiquiatras e remédios. Eu doente? Imagina! Eu trabalhava no setor financeiro de uma empresa, eu não podia ficar doente".
Foi então que, em outubro de 2006, durante o primeiro tratamento conheceu um médico psiquiatra e agendou uma consulta. "Fui totalmente 'armado', resistente, fui na defensiva mas para não decepcionar os outros, segui tomando os remédios. Recebi o diagnóstico de bipolaridade e em nenhum momento questionei, apenas me questionava. Afinal, como isso aconteceu comigo? No ano seguinte tentei voltar a trabalhar, mas não consegui. Criei um bloqueio. Tive vergonha dos meus colegas, me sentia um fracassado. Somente um ano depois, já sob tratamento, que percebi que estava realmente doente e precisava de ajuda."
É preciso recomeçar
O paciente relata que o tratamento não é fácil, mas é possível e tem resultados surpreendentes. "Muitas vezes tive pensamentos suicidas. Na primeira vez que pensei em acabar com a minha vida, fui até uma passarela no centro da cidade. Fiquei um tempo olhando para baixo, até aparecer uma mulher que encostou no meu ombro e disse: 'não faça isso, você é muito novo, tem uma vida pela frente'. Surpreso, pensei: 'como ela sabia?' Depois deste dia, quando pensava em desistir, lembrava desta senhora".
Já são 10 anos em tratamento. Remédios, terapia e acompanhamento incansável do amigo psiquiatra. Isso mesmo, amigo. Ele garante que hoje tem o médico como um amigo que o ajuda a vencer as dificuldades. "Foquei na terapia e levei a sério a medicação. Acertar a medicação foi bem difícil, mas tenho certeza que se não tivesse procurado ajuda, hoje estaria louco ou, quem sabe, nem estaria mais aqui para contar essa história".
Eu me sabotei por muito tempo
A ajuda de amigos e familiares também contribuiu para a evolução do tratamento. 'Num contexto geral os mais próximos me entenderam e me ajudaram, alguns mais distantes ignoraram, mas não julgo ninguém porque eu mesmo tive resistência em aceitar", conta, emocionado.
"Hoje me sinto bem, tenho situações específicas que me desequilibram, ainda mexem comigo, como lugares com muito barulho ou muitas pessoas. Apesar disso, me considero apto para voltar a sociedade. É difícil falar abertamente sobre o assunto, mesmo tendo admitido. Às vezes tenho medo do olhar das pessoas, mas já consigo conversar sobre o assunto e acho fundamental orientar e explicar sobre a doença".
As medicações farão parte de sua vida para sempre, mas isso não é mais um problema. "Faço uso de sete medicações e isso não me faz uma pessoa nula da sociedade. Um dia ouvi da minha terapeuta que temos que viver como uma pessoa com diabetes: ela precisa de insulina diariamente, também precisa controlar o consumo de alguns alimentos e nem por isso se isola da sociedade. Comigo é assim: apesar dos medicamentos, não deixo de fazer as coisas que gosto. É uma comparação simples e verdadeira. Se eu pudesse dar um conselho para outras pessoas que passam pelo que passei, eu só diria para não desistir e não tentar se enganar. Eu me sabotei por muito tempo. Não se permita se sabotar desta maneira".